domingo, 26 de abril de 2020

Capitulo 2



- Buh! – uma voz soou por trás do meu ouvido, fazendo com que saltasse da cadeira e soltasse um gemido perante a surpresa. Ainda com as mãos no peito olho de soslaio para o meu lado esquerdo e reparo no sorrido estridente da Inês que se desfazia numa gargalhada, provavelmente ao observar a minha cara de terror e susto. 

- Porra Inês, que susto! – refilei enquanto ela se sentava no banco à minha frente. Estava tão atolada a estudar e com os headphones nos ouvidos, que não reparei na sua chegada. 

- Não consegui evitar! Estavas tão concentrada nesses livros que se chamasse pelo teu nome, nem irias ouvir! - Fechei os livros e despojei-os num canto da mesa. Naquele instante reparei que já me sentia cansada de estudar sobre epistemologia e que o meu cérebro precisava urgentemente de açúcar e cafeina. 

- Provavelmente… - desabafei. Naquele instante a Inês chama o empregado da cafetaria. 

- Pode trazer-me um cappuccino e umas torradas? 

- Com certeza. Desejam mais alguma coisa? 

- Sim – respondi – traga-me um café, por favor. 

- É para já… - Deixei que o empregado saísse para centrar a minha atenção na Inês. 

- Então, o que precisas de mim? 

- Preciso que tires uma tarde para vires comigo comprar móveis para a sala! – pediu com a sua voz a transpor angustia – não consigo cumprir essa tarefa sem ter alguém comigo. O Pedro só chega na próxima semana e será tarde por causa do seu aniversário. Tenho de tratar disso o mais rápido possível…por favor, anda comigo! – suplicou 

- Estás mesmo a pedir-me para fazer aquilo que mais odeio? Fazer compras? – inquiri 

- Oh…por favor! És a minha amiga, tens de me ajudar! – a sua voz suplicante fez-me gargalhar – se me ajudares prometo que fico um dia inteiro a ouvir-te falar sobre essas matérias estranhas que aprendes…okay, um dia talvez seja muito tempo mas…uma tarde? Uma manhã? Eu aceito ser tua cobaia para tirares sangue, colocares soros…o que tu quiseres! Mas.por.favor.ajuda-me! – gargalhei ainda mais porque estava a ser hilariante ver o desespero dela. 

- Okay…gosto dessa ideia. Na próxima semana preciso de uma cobaia para treinar os posicionamentos e transferências. 

- aceito! 

- combinado. Quando precisas de tratar disso? 

- o mais breve possível. O que dizes de ser sábado? 

- Fica combinado para esse dia – respondi enquanto que o empregado chegava ao pé de nós com os nossos pedidos. Apressei-me a beber o café e…caramba! Só sentir o sabor da cafeina sobre a minha língua, o meu astral rejuvenesceu. 

- E tu…como estão a correr as coisas na casa nova? Não tens falado muito sobre isso. 

- Hum…estão a correr bem – ajeitei-me na cadeira e encarei-a – também não tenho estado muito tempo pela casa, tenho tido dias terríveis no que respeita ao estudo e trabalhos, sem falar no meu estágio no hospital que começou na semana passada. Por isso, foram três semanas que voaram pela minha cabeça – Dei mais um gole no café – confesso que é estranho acordar num quarto enorme, numa cama que cabe três pessoas…não me queixo, de facto. A cama é tão boa! – Confessei, levando a Inês a gargalhar – tenho sempre as refeições prontas, roupa lavada…é estranho não ter de fazer o jantar ou conviver com mais pessoas e todas elas ainda estranhas para mim. 

- Mas isso é normal – inquiriu – só com o passar do tempo é que te vais habituando. 

- Sim, eu sei. O mais importante é que a minha mãe esteja feliz e isso vejo que está a acontecer. 

- Também será por pouco tempo, não é? Sendo que o teu objetivo é iniciares carreira fora do país – Abanei a cabeça, concordando com ela – Já tens em mente para onde queres ir viver? 

- Estive a pesquisar e estou indecisa entre Amesterdão ou Londres. Trata-se das melhores cidades para trabalhar na minha área e sei que a progressão na minha carreira será importantíssima. – Enquanto falava, sentia o semblante carregado da Inês. Ela era contra a minha ideia de trabalhar fora do país. 

- Sabes que aqui, em Portugal, também podes progredir na carreira sem ter de imigrar? 

- Sei…sei que isso pode acontecer daqui a vinte, trinta ou quarenta anos de trabalho. Mas também não se trata da progressão da carreira. Eu quero conhecer o mundo, quero ter esta experiencia na minha vida e eu sempre desejei viver em outro país! Não quero esperar ara casar e ter filhos para ver o meu sonho a dissipar-se. 

- Clara, eu compreendo os teus sonhos e apoio-te nisso mas é que…eu vou morrer de saudades tuas. És a minha melhor amiga, como vou sobreviver sem ti? 

- Londres não é assim tão longe, são duas horas de viagem! E além do mais, existe a internet, Skype, whatsapp…estaremos sempre conectadas. 

- Quer dizer que vais escolher Londres? – Sorri 

- Em principio sim…adorei conhecer aquela cidade e quando lá estive senti-me bem. 

- Não podes, primeiro, experimentar trabalhar cá? Nem que seja um ano? É que falta menos de um ano para isso acontecer e não me sinto preparada. 

- Não posso arriscar a que algo mude os meus planos. Tenho tudo delineado…- Inês bufou. 

- Minha cara amiga…a vida não é como uma agenda em que podes traçar datas. Não há como fugir ao destino. 

- O meu Destino é acabar o curso e rumar até Londres! – conclui. 

- Okay… - ela levantou os braços na defensiva – já agora, a tua mãe sabe dos teus planos? 

- Ainda não. Com esta mudança de casa não quis que ela tivesse outras preocupações. E…ainda é cedo. 

- Muito bem…ah! Ia-me esquecendo! No próximo domingo temos uma pequena festa no Bo Zên – Bo Zên tratava-se de um espaço maravilhoso localizado na encosta do Bom Jesus e com uma vista lindíssima sobre a cidade. Aproveitaram um edifício antigo, restauraram e fizeram um espaço de eventos que, na época de verão, realizavam sunsets. A vista compensava o preço caríssimo da entrada. 

- Festa no Bo Zên em pleno inverno? 

- Hum-hum…É o aniversário da Carolina e como ela tem conhecimentos com o dono do espaço, conseguiu o local para uma festa privada. 

- Pois…o aniversário da carolina. Já não me lembrava! 

A conversa rondou por mais tempo e quando dei por mim, passavam das sete horas da tarde. Despedi-me da Inês e rumei até casa. Pelo caminho não consegui de deixar de pensar na nossa conversa sobre os meus planos de mudar de país assim que terminasse a minha licenciatura. Este sonho começou a ganhar asas quando percebi que queria fazer algo diferente na minha vida, mudar o meu rumo de uma forma drástica. Sempre tive o desejo de conhecer o mundo e ir além fronteiras. Foi um sonho que estava na gaveta mas, sempre que viajava, o bichinho começou a ser despertado…eu adoro o meu país e sei que tenho os meus amigos e a minha família, no entanto, a minha essência não pertence aqui. Agora que a minha mãe está feliz e ao lado de alguém que a ama, sei que a minha missão de cuidar dela está a chegar ao fim. Irá custar a despedida mas será apenas fisicamente. 




Uma…duas…três voltas na cama e algo continuava a soar aos meus ouvidos. Queria dormir, precisava disso mas algo impedia que caísse no sono profundo. Um barulho estridente proveniente do outro lado da parede, fazia ecoar nos meus ouvidos e o meu coração latejava fortemente. Com a minha mão, tateei pela mesinha de cabeceira à procura do meu telemóvel e, assim que o encontrei, cliquei no botão. Dez horas e catorze minutos. Nem duas horas tinham passado desde que me deitara na cama, depois de ter cumprido o meu turno noturno no hospital. Sentia-me exausta e queria tanto dormir mas, agora que estava na cama, não conseguia cair num sono profundo porque algo estava a impedir isso. Uma música completamente estridente e barulhenta ecoava no quarto ao lado. Ainda tentei fechar os olhos e fazer meditação mas não estava a resultar. Odiava que interrompessem o meu sono. Será que as pessoas não sabem que é necessário cumprir, no mínimo, sete horas de sono profundo para o nosso organismo se revitalizar e sermos pessoas saudáveis? Provavelmente o causador deste barulho não o sabe. 

Não aguentando mais, tiro os cobertores de cima de mim, calço os chinelos e, pouco me importando de estar de pijama, abro a porta do meu quarto. Dou três batidas na porta do quarto ao lado e percebo, segundos depois, que sou ignorada. Bato fortemente, despejando a minha raiva nas batidas e sinto que alguém me ouviu. A musica para e ouço passos a virem em direção à porta. Esta abre-se num ápice e uma figura masculina, alta e com um aspeto suado, surge na minha frente. 

- O que queres? – Perguntou no seu tom ríspido. O suor escorria pelo seu rosto delgado e vermelho, a t-shirt estava colada ao tronco, delineando os músculos do seu corpo. 

- Quero que desligues essa música ou que a coloques num som tão baixo que nem aos peixes do rio seja audível! – Respondo no mesmo tom que o dele. 

- Porque raio irei desligar a música? 

- Porque quero dormir! – Ripostei – Estive a trabalhar de noite, preciso de descansar mas torna-se impossível quando tenho essa musica a ecoar nas paredes do meu quarto! 

- E o que tenho a ver com isso? – Revirei os olhos. Estava a tentar controlar-me mas tornava-se numa tarefa difícil com alguém como ele. – Se queres dormir, dorme. Tu trabalhaste de noite, eu trabalho agora. 

- Eu estava a tentar dormir mas a tua música está demasiado alta. Assim é impossível dormir! 

- O problema é teu, não meu. Se queres dormir, vai para a tua casa e dorme. Eu estou na minha casa e faço o que quiser. São dez horas da manhã. – Estava estupefacta com aquilo que ouvia. Aquela arrogância toda dava-me náuseas e não conseguia acreditar como é que uma pessoa como ele poderia ser filho do Rogério. Ou melhor…porque é que ele só era assim comigo? 

- Que mal eu te fiz para seres assim tão rude? 

- Desculpa? 

- Desde que aqui cheguei que me tratas mal. Nunca te fiz nada, evito falar contigo e quando tento tu…simplesmente tratas-me com sete pedras na mão como se fosse tua inimiga! Eu sei que não deve ser fácil lidar com esta situação de vivermos cá em casa mas tens de pensar que o teu pai é que quis assim e é para a felicidade dele! Não peço para sermos amigos, só queria que tivéssemos uma relação cordial, pode ser? – Senti a necessidade de dizer aquilo que sentia e via que estava a acontecer. Só poderia ser aquela a justificação daquela frieza toda. De alguém que não aceitava um novo amor do seu progenitor depois da morte da mãe. No lugar dele poderia sentir o mesmo mas não optaria por ser tão besta. 

- Já acabaste de falar? – Perguntou, ignorando tudo aquilo que acabara de dizer – Com licença, bom descanso – Dito isto, fecha a porta batendo-a com força. Sentia-a a estremecer e fiquei estática sem mexer um único músculo. Naquele instante percebi que tinha acabado de falar para alguém mais ignorante que uma porta e, de forma a controlar o meu ritmo cardíaco, fui obrigada a respirar fundo e fechar os olhos. Abanei a cabeça e sai dali. Fui até ao meu quarto e tentei deitar-me mas já não conseguia dormir, toda a possibilidade de conseguir adormecer tinha sido dissipada e nem por já não ter aquela música barulhenta, me fazia sentir mais sossegada. Após uma hora numa tentativa falhada de conseguir dormir, acabei por me levantar e fui tomar banho. 

Desci para o piso inferior e senti o aroma agradável da comida a pairar sobre a sala de estar. Inspirei profundamente e deliciei-me. As vozes abafadas vindo da sala, detetava a presença do Rogério, da minha mãe e dos miúdos. Após uns segundos de reflexão, percebi que era sábado e isso justificava a presença de todos na hora do almoço. 

- Oh, filha! Já acordaste? – a Voz da minha mãe detetava surpresa pois não esperava me encontrar. 

- Hum…não tinha sono – menti. Na verdade, apenas omiti o verdadeiro motivo da minha perda de sono que, por sinal, não se encontrava ali. Respirei de alivio pois não pretendia encontra-lo depois de ser ignorada e, mais uma vez, desrespeitada. 

- Junta-te a nós! O frango estufado está uma delicia – Desta vez foi Rogério que falou. O habitual fato e gravata que estava habituada a ver presente na sua figura, tinha sido trocada pelo fato de treino. 

- Obrigada – sentei-me no lugar habitual, ao pé da minha mãe. O Rogério tinha razão, o frango estava com um aspeto divinal e já sentia o meu estomago a reclamar por comida. Servi-me um pouco, o suficiente para não enjoar tendo em questão o facto de ter acordado há pouco tempo. 

- O Rafael, alguém o viu? – Perguntou o Rogério. 

- O menino Rafael não vem para o almoço – a Voz doce e amável de Olívia fez-se ouvir, enquanto pousava a travessa do arroz – saiu para treinar na academia. 

- Ele poderia ter avisado! 

- Como o Sr. Rogério estava ao telefone ele não quis incomodar… - Olhei atentamente para Olívia e entendi que, por detrás daquela figura segura e profissional, existia um lado doce e protetor em relação ao Rafael. Ela protegia-o sempre mesmo quando não tinha razão para o fazer. Entendi isso sempre que via o seu olhar em relação a ele. Olívia não era uma simples governanta da casa, era mais que isso. Tratava-se de um pilar familiar para os miúdos mas em relação ao Rafael era diferente…como se ela fosse uma avó para ele e quisesse dar o amor e proteção que a mãe dele não lhe pôde dar nestes anos todos. Abanei a cabeça afastando estes pensamentos, sabendo que não cabia a mim julga-los. Foquei a minha atenção no prato de comida que tinha na minha frente mas nem o sabor delicioso da comida me deixava de sentir intrigada por toda esta história. 






Um pouco de rímel, iluminador, blush e um eyeliner perfeito, chegariam para a maquilhagem. E…voilá! Estava pronta para mais uma festa. Confesso que adoro este processo todo de maquilhagem e não consigo sair de casa, sem pelo menos a base e rímel. Para o bem da minha autoestima porque a minha cara pálida já é o suficiente para que evite de olhar ao espelho sem me sentir um cadáver. É raro o dia que saio de casa sem me maquilhar e quando o faço, passo o dia todo a ter as pessoas a perguntarem se me sinto bem, pois estou demasiado pálida. Não. Eu não estou pálida. Eu sou pálida por natureza, sinal de pouca melatonina no meu corpo. 

Acabei por ajeitar o vestido preto de veludo, vesti a jaqueta vermelha, peguei na minha mala e sai do quarto. Ao bater a porta, deparei com um voluto especado à minha frente, junto da porta ao lado. Encarei e soltei um pequeno gemido. 

- Não precisas de te assustar – senti um pouco de sarcasmo na sua voz. Encarei-o, semicerrando os olhos 

- Eu não me assustei. Apenas não esperava ver-te aí…às escuras. 

- Estava a acabar de sair do quarto – Olhei-o de soslaio e notei algo de estranho. Faltava-lhe o habitual sarcasmo. Podia jurar que, por detrás daquele olhar escuro, surgia-lhe um brilho. 

- Ainda bem – não alonguei muito a conversa, não só por já estar atrasada para a festa mas por querer evitar qualquer conversa com o Rafael. Ele não era do tipo de pessoa que me deixa confortável e também por querer uma relação cordial, para bem da família. Então jurei a mim mesma que evitaria qualquer contacto com ele, pelo menos por enquanto. Percebi que até a minha mãe e o Rogério perceberem destes atritos entre nós, ou melhor, a relutância toda dele comigo, e o quanto isso os deixa tristes. Não quero perturbar o bem-estar deles e, para isso, teria de deixar de me aproximar do meu meio-irmão e querer uma boa relação com ele. Pelo menos, por um bom bocado. 

O caminho até ao Bo Zên foi rápido pois a distancia da minha casa até lá era pouca. Passava um pouco das cinco da tarde e o sol estava já a esconder-se pelo meio das montanhas do Gerês. Lá ao longe. Estacionei o carro e caminhei até junto da varanda do terraço. Sabia que no interior da casa já se encontravam os convidados mas queria aproveitar um pouco aquele sunset. Sempre gostei de observar o pôr-do-sol e saborear toda a calma que isso me transpunha. Apesar do frio de inverno que se fazia sentir, um calor dissipava pelo meu corpo, fazendo-me aquecer. Sorri timidamente. 

Decidi entrar assim que o sol tinha dado lugar à habitual escuridão da noite. A música fazia-se sentir e os convidados conversavam animadamente. Olhei ao meu redor na esperança de ver alguma cara conhecida e, sem esperar, sinto um toque nos meus ombros. 

- Hei! Estava a ver que ias ficar eternamente lá fora a observar as montanhas! – Gracejou Inês. Gargalhei. 

- Sabes que não resisto a um bom pôr-do-sol! 

- Olha…que bebida queres? – Mudou de assunto 

- Hum, não sei. Antes de mais, quero felicitar a Carolina! Sabes onde ela está? 

- Acho que está ao pé da pista – Assim que a Inês me indicou da sua presença, caminhei até ao outro lado do salão e, após procurar por uns segundos, deparei-me com a Carolina. Cheguei ao pé dela. 

- Hei, Carolina! Feliz Aniversário! – Felicitei-a dando-lhe um abraço caloroso. Carolina tratava-se uma colega de faculdade que, apesar de não sermos do mesmo curso, fomos caloiras do mesmo ano e a amizade perdurou. Não eramos amigas intimas mas gostava dela. Transmitia uma simplicidade e energia que era contagiante e isso refletia-se no seu rosto jovial e belo. 

- Obrigada Clara! Fico feliz por estares aqui – desejou com sinceridade 

- Vim com o maior prazer! 

- Fica à vontade, se precisares de alguma coisa podes pedir aos empregados. Hoje estão por nossa conta – Dito isto piscou-me o olho, deixando escapar um sorriso alegre. 

- Muito bem, adoro saber disso! – Enquanto olhava em meu redor observando cada detalhe daquela decoração impecável e linda, não tinha reparado na chegada de alguém ao pé de nós. Só mesmo quando o meu olhar incidiu novamente na Carolina, é que percebi na presença daquela pessoa. O meu espanto era notório, até mesmo por estar a abrir a boca perante o espanto. Será que até aqui tinha de levar com o meu irmãozinho? Respirei fundo. 

- O que fazes aqui? – inquiri, deixando que o eu tom de voz fosse mais alto do que o desejado. 

- O mesmo que tu – respondeu prontamente. 

- Vocês conhecem-se? – Carolina olhava-nos confusa e não seria para menos. 

- Sim, o Rafael não te contou? Ele é o meu irmão – anunciei com uma amabilidade falsa, como se quisesse que as pessoas soubessem que eramos pessoas próximas – quer dizer…meio-irmão. Os nossos pais são companheiros. 

- Oh! Mas isso é maravilhoso – o espanto e alegria era visível no rosto dela mas o mesmo não poderia dizer do Rafael. Sentia a sua bílis a querer escapulir da sua boca e o desagrado era notório. Ele não queria aquilo, não desejava que anunciasse o nosso parentesco. Os seus olhos obscuros e frios detalhavam os seus sentimentos. Eu deveria sentir-me mal por ter tocado num assunto que ainda era sensível, pelo menos para ele. Só que, ao contrário do esperado, sentia-me a cintilar – Não me tinhas dito nada… - Carolina sussurrou –lhe 

- Não é praticamente um assunto de ser abordado na via publica – atirou com azedume. 

- Vocês conhecem-se também? – inquiri, querendo acabar com o mau ambiente que se tinha gerado. 

- Hum-hum…somos namorados – Deixei escapar um sorriso leve. A vida era mesmo uma caixinha de surpresas. 

- Que bom! Parece que nos vamos ver mais vezes. 

- Sim! Mas isso é bom! – Não deixei de olhar para o Rafael e ele olhava-me com uma certa fúria, ainda que fosse controlada. Não seria para menos, tendo em consideração eu tinha acabado de confessar à sua namorada, algo intimo da vida dele e que, pelos vistos, ela ainda não sabia. Apesar do sorriso leve de Carolina, sentia que estava a vacilar e precisava de falar com ele sobre esse assunto. Foi então que, após ter feito estragos, decidi que era a hora de rumar para outro canto da sala. Despedi-me deles e corri, em passos pequenos, à procura da Inês. Não demorou muito para a encontrar. Já se encontrava alegre e divertida a conversar com os nossos colegas. 

- Não achas que estás a beber demais…? – sugeri, enquanto lhe retirava o copo de Marguerita da mão. 

- Caramba, Clara. Estamos praticamente no inicio da festa! – reclamou 

- Por isso mesmo – tentei chama-la à razão – além do mais, eu estou a precisar de um gole de álcool e bem forte – disse enquanto bebia de uma só golada, o que restava daquele licor. Era forte. Senti o álcool a queimar cada pedaço do meu corpo e a bilis despertou em mim uma súbita vontade de vomitar. 

- Tu odeias Margueritas. 

- Pois odeio… 

- O que se passa? 

- Nem vais acreditar quem está aqui na festa. 

- Quem? 

- O meu novo irmão. 

- O teu quê? – Tinha-me esquecido que lhe tinha ocultado esta parte da minha recente história. 

- Ainda não te tinha contado mas o Rogério tem um filho mais velho, o Rafael. Ele ainda não aceitou o relacionamento do pai e por isso não me suporta. E…ele está aqui. 

- Quem é ele? É amigo da Carolina? 

- É o namorado dela – senti o olhar da Inês a esbugalharem enquanto me olhava atentamente. 

- Oh não. Que coincidência trágica! – disse num tom melodramático e que conhecia aquele tom. Só significava uma coisa. A Inês estava a ficar bêbada. Após dizer isso, desatou numa gargalhada estridente. Abanei a cabeça pois sabia que restava ser, no resto da noite, a sua ama seca – preciso de outra Marguerita! Vamos até ao bar! 

- Não, o que tu realmente precisas é de apanhar ar e parar de beber – sugeri, no entanto, em vão. 

O resto da noite passou a voar. Acabei por beber alguns cocktails e nenhum deles era Marguerita. Aquilo tinha um sabor horrível e ainda sentia o meu tubo digestivo queimado com aquele álcool todo. O ambiente estava impecável e o DJ era ótimo. Sabia que musicas tocar e como gerir um ambiente digno de festa. Sabia que tinha de tomar conta da Inês mas chegou a uma certa parte da noite que lhe perdi o rasto. Sabia que a iria encontrar e por isso deixei-me guiar pela boa onda da música. Pensei no tempo que já não me divertia daquele jeito…solta e sem pensar nos meus problemas. De facto, já fazia imenso tempo. Sabia que depois de amanhã já estaria novamente no hospital para mais um turno do estágio e que, no final do trabalho, estaria de volta da minha secretária e do computador, realizando aqueles relatórios péssimos e que me tiravam as horas de sono. Abanei a cabeça. Não era hora de pensar nisso…não naquele instante em que sentia um sorriso genuíno a florear pelo meu rosto, fruto dos efeitos secundários do álcool. 

- Clara? – Uma voz masculina fez-se soar aos meus ouvidos, quando decidira deslocar até ao bar para mais uma bebida. Olhei na minha direção oposta e encontrei mais um colega de faculdade. Sorri-lhe. 

- Hei, Henrique! Há quanto tempo – saudei-o alegremente. 

- Posso dizer o mesmo! – Retorquiu enquanto me dava um beijo no rosto – O que é feito de ti, rapariga? – Abanei os ombros 

- Ando demasiado ocupada com o meu último ano de faculdade…sabes como é…estágios, relatórios, aulas…pouco tempo livre! 

- Compreendo perfeitamente. Acho que a última vez que te vi foi…no verão? 

- Acredito que sim – Relembrei-me dos últimos momentos em que tivemos juntos e, por momentos, preferia não me recordar. O Henrique é um rapaz incrível e se as coisas tivessem tido outro rumo, talvez estivéssemos juntos. Uns namoriscos entre nós mas que acabou em amizade. No fundo, dou graças por isso pois não haveria a mínima hipótese de haver um relacionamento entre nós – E tu? O que é feito de ti? Não te tenho visto pela faculdade. 

- Pois…não me vês porque congelei o meu último ano – olhei-o surpreendida – apareceu uma oportunidade de trabalho na empresa do meu pai e deixei de ter tempo para me dedicar aos estudos. Pelo menos por enquanto…pretendo acabar a licenciatura. 

- Boa, fico feliz por ti! 

- Obrigada… - Naquele instante a musica tinha mudado e a típica brasileirada fazia-se ecoar naquelas paredes – Que dizes de dançarmos? – Convidou, apanhando-me desprevenida. 

- Hum…dançar? 

- Sim! Andá lá…como nos velhos tempos – O Henrique deve ter entendido a minha apreensão e um sorriso doce abarcou no seu rosto – apenas para matar as saudades. Depois, cada um segue o seu caminho – Ele percebeu o meu receio e fiquei mais descansada por saber que as intenções dele eram apenas aquelas. Dançar e nada mais. De facto, que mal tinha aquilo? Eu sentia-me demasiado alegre para ficar parada num canto qualquer abandonada pela minha melhor amiga que estava sabe-se lá onde. E confesso que queria muito dançar. Precisava de o fazer para ver se o álcool que estava entranhado na minha corrente sanguínea desaparecia à mesma velocidade que sentia a minha cabeça a rodopiar. Sorri-lhe e fomos para a pista de dança. 

Perdi a noção do tempo que ali ficamos a dançar mas sentia-me tão leve que não conseguia parar. Doía-me os músculos da face de tanto sorrir e gargalhar. Ou por pisar os pés do Henrique ou por me segurar em alguém de modo a não cair no chão. Assim fiquei até que o reportório de músicas mudou drasticamente e o DJ achou que seria boa ideia passar músicas românticas. Era a deixa perfeita para abandonar a pista mas a mão quente dele prendeu-me. 

- Prometo que é a última… - sussurrou-me. Senti o meu coração a vacilar. Eu não queria aquilo, principalmente por estar a ter uma espécie de Déjà-vu do passado. Ele dança incrivelmente bem e…Deus do céu que ele sabe como levar uma rapariga à loucura. E eu sei disso por já me ter levado também. Seria a ultima dança e não via nenhum mal nisso mas aprendi que, quando alguém diz que é a ultima…nunca termina bem. Revirei os olhos e nem tive tempo de falar pois já estava a sentir os braços dele na minha cintura a puxarem-me para junto do seu corpo quente. Respirei fundo e rezei para que não percebesse o meu embaraço perante aquela aproximação. Os nossos corpos estavam embalados numa sintonia perfeita ao som da música Perfect do Ed Sheeran. Olhei em meu redor e entendi que eram vários os casais que nos acompanhavam e, pouco a pouco, senti o meu corpo a relaxar e a apreciar a música. Só paramos quando a musica terminou, dando lugar a outra mas não iria permitir dançar mais. Os nossos corpos desprenderam-se e senti a necessidade de apanhar ar. Rumamos até à varanda que estava a três metros de nós e mirei a cidade iluminada que, aos meus olhos embriagados, estava completamente desfocada. 

- Obrigada pelas danças – agradeci 

- Ora essa. É sempre um prazer voltar a dançar contigo. 

- Exceto quando piso os teus pés – conclui e ele gargalhou 

- Faz parte da dança! – Um breve silêncio gerou-se – Estás muito bonita esta noite… - apontou, levando-me a corar. 

- Obrigada – agradeci num sussurro pois já estava a adivinhar o momento seguinte. E não me enganei. Senti-o a diminuir a nossa distância e abanei a cabeça. 

- Sabes, Clara…esta noite fez-me entender que talvez a amizade não seria o melhor para nós. Tu és incrível! – sussurrou, pegando-me pela cintura. Sentia os seus lábios perto dos meus e o meu corpo estremeceu. Eu sabia o que ele ia fazer e, apesar de no meu intimo querer aquilo, sabia que não estava certo. 

- Henrique, não… - tentei impedir e senti os seus olhos cravados nos meus. 

- Porquê? É só um beijo. 

- Nós somos amigos e seremos apenas isso. Estamos a ser levados por uma noite muito boa mas…é apenas isso. 

- Será que é…? – inquiriu, tocando de leve no meu rosto 

- Sim – atirei certeiramente. Naquele instante a minha sobriedade abalou todo o meu cérebro. Tentei empurra-lo mas ele não se moveu. Foi então que senti os seus lábios bem perto dos meus e desviei o rosto – Por favor Henrique…é melhor não. 

- Tens a Certeza, Clara? – Conseguia ver a confusão espelhada nos seus olhos acompanhados de desilusão. 

- Não ouviste o que ela disse? – O nosso momento acabava de ser interrompido pela presença de alguém. Ou melhor…por uma voz grossa e forte. Uma voz que me fez abalar pois eu conhecia-a. Respirei fundo antes de encara-lo e de lhe lançar um olhar incrédulo. E ali estava ele, todo dono de si a segurar num copo de Gin. 

O Rafael. O meu adorado irmão postiço.

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